RECURSO – Documento:7001728 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5024100-39.2021.8.24.0038/SC RELATORA: Desembargadora Substituta QUITERIA TAMANINI VIEIRA RELATÓRIO Na origem, perante o Juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Joinville, o pleito formulado na Ação de Obrigação de Fazer proposta por J. C. em face de W. I. foi julgado improcedente pelos fundamentos declinados na sentença apelada (evento 90, SENT1), em cujo dispositivo constou o seguinte: Diante do exposto, julgo improcedente o pedido principal, condenando o autor ao pagamento das custas do processo principal e honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) do valor da causa (art. 85, § 2º do CPC). Na reconvenção, reconheço a perda de objeto da pretendida regularização documental do veículo (art. 485, VI c/c art. 493, caput, ambos do CPC) e julgo improcedente o pedido indenizatório, dividindo as partes em ...
(TJSC; Processo nº 5024100-39.2021.8.24.0038; Recurso: recurso; Relator: Desembargadora Substituta QUITERIA TAMANINI VIEIRA; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 13 de novembro de 2025)
Texto completo da decisão
Documento:7001728 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5024100-39.2021.8.24.0038/SC
RELATORA: Desembargadora Substituta QUITERIA TAMANINI VIEIRA
RELATÓRIO
Na origem, perante o Juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Joinville, o pleito formulado na Ação de Obrigação de Fazer proposta por J. C. em face de W. I. foi julgado improcedente pelos fundamentos declinados na sentença apelada (evento 90, SENT1), em cujo dispositivo constou o seguinte:
Diante do exposto, julgo improcedente o pedido principal, condenando o autor ao pagamento das custas do processo principal e honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) do valor da causa (art. 85, § 2º do CPC). Na reconvenção, reconheço a perda de objeto da pretendida regularização documental do veículo (art. 485, VI c/c art. 493, caput, ambos do CPC) e julgo improcedente o pedido indenizatório, dividindo as partes em parcelas iguais as custas da lide secundária (art. 86, caput, do CPC), enquanto o reconvinte suportará honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) sobre a indenização não reconhecida (art. 85, § 1º do CPC), e o reconvindo, que deu causa ao pleito reconvencional, os bancará no importe de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), aqui por apreciação equitativa (art. 85, § 8º do CPC), vedada a compensação (art. 85, § 14 do CPC).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Irresignado, o autor interpôs recurso de apelação (evento 97, APELAÇÃO1). No mérito, sustentou que a sentença recorrida desconsiderou provas que demonstram a culpa concorrente do réu, W. I., na fraude ocorrida durante a negociação de compra e venda de um veículo, conhecida como “golpe da OLX”. Alegou que tomou todas as precauções cabíveis, como vistoria veicular, assinatura de DUT e declaração de responsabilidade em cartório, além de ter realizado o pagamento na presença do réu. Sustentou que o réu participou ativamente da negociação e também foi enganado pelo fraudador, contribuindo para o prejuízo sofrido. Requereu a reforma da sentença para que fosse reconhecida a responsabilidade do réu e, consequentemente, a condenação ao pagamento de indenização no valor de R$ 40.000,00, ou, alternativamente, o rateio do prejuízo em R$ 20.000,00. Também impugnou a condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais referentes à reconvenção, alegando que todos os pedidos reconvencionais foram julgados improcedentes, sendo indevida a condenação de R$ 4.000,00 imposta ao apelante. Requereu a readequação da verba sucumbencial ou, subsidiariamente, sua redução proporcional. Ao final, pediu a reforma da sentença recorrida.
O apelado apresentou contrarrazões, nas quais pugnou pela manutenção da sentença proferida na origem (evento 104, CONTRAZAP1).
Desnecessário o envio à Procuradoria-Geral de Justiça.
É o breve relato.
VOTO
Admissibilidade
No exercício da admissibilidade, preenchidos os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso.
Mérito
No mérito, o recurso merece provimento em parte.
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo autor, visando à reforma da sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial. Para tanto, alega que participou de negociação para aquisição de veículo com o réu, tendo adotado todas as cautelas necessárias, como realização de vistoria técnica, presença no local do bem, assinatura do DUT em cartório e pagamento efetuado na presença do réu. Contudo, no momento da entrega, as partes foram surpreendidas com a alegação de que haviam sido vítimas de golpe, não sendo o veículo entregue. Por fim, sustentou que o réu participou ativamente da negociação e também foi enganado pelo fraudador, contribuindo para o prejuízo sofrido.
Razão não lhe assiste.
Do relato constante no boletim de ocorrência registrado em 04.12.2020, foram declarados pelo autor, ora apelante, os seguintes fatos: (i) a vítima W. I. (apelado) anunciou uma Saveiro Cross, ano 2016, para venda; (ii) um terceiro, identificado como Cristiano de Lima Swierzikowski, entrou em contato com Walter, afirmando que a negociação do veículo seria realizada em favor de um "amigo", referindo-se, nesse caso, ao autor J. C.; (ii) Cristiano negociou com Jucelio como se fosse o primo do dono do carro, e Jucelio acreditou que estava comprando diretamente de Cristiano; (iii) Jucelio transferiu R$ 40.000,00 para uma conta em nome de Shirlei Simoes indicada por Cristiano, que provavelmente está ligada ao golpista; (iv) Cristiano enviou um comprovante falso de transferência de R$ 51.000,00 para Walter, tentando convencê-lo de que o valor havia sido pago; e (v) como o dinheiro não entrou na conta de Walter, e após conversas entre as partes, perceberam que Cristiano não era primo de Walter, nem tinha qualquer vínculo com ele, ou seja, era o golpista.
O denominado "golpe do intermediário", também conhecido como "golpe da OLX", caracteriza-se por uma fraude estruturada na qual o golpista se interpõe entre o comprador e o vendedor de um bem, geralmente anunciado em plataformas digitais. O estelionatário entra em contato com o vendedor, demonstrando interesse na aquisição do bem, e simultaneamente negocia com um terceiro (comprador), fazendo-o acreditar que está tratando diretamente com o legítimo proprietário.
O comprador, convencido da legitimidade da negociação, realiza o pagamento diretamente ao golpista, geralmente por transferência bancária, enquanto o vendedor, por sua vez, é induzido a acreditar que o pagamento foi efetuado por quem está presencialmente no local da entrega. Ocorre, assim, uma dissociação entre quem paga e quem recebe, resultando em prejuízo para ambas as partes, que agiram de boa-fé.
No caso dos autos, é incontroverso que tanto o apelante quanto o apelado foram vítimas do conhecido "golpe do intermediário", também denominado "golpe da OLX", circunstância evidenciada pela documentação acostada e pela narrativa das partes. Nesse contexto, torna-se imprescindível a observância da norma prevista no artigo 309 do Código Civil, segundo a qual "o pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda provado depois que não era credor".
Inclusive, nas próprias razões recursais, o autor/apelante reconhece que "as comprovações mencionadas dão conta de que ambas as partes caíram no golpe aqui evidenciado", sustentando, contudo, que não seria justo ou coerente atribuir exclusivamente a ele a responsabilidade pelo prejuízo suportado, sob a alegação de que o réu participou ativamente da negociação e também foi enganado pelo fraudador, contribuindo para o prejuízo sofrido.
No ponto, importa salientar que, na instância de origem, foi designada audiência de instrução e julgamento com o objetivo de melhor esclarecer os detalhes da negociação envolvendo o veículo objeto da lide e suas respectivas consequências. Todavia, os depoimentos prestados pelo informante indicado pelo apelante — seu vizinho — e pela informante cônjuge do apelado, não trouxeram elementos suficientemente consistentes que permitissem atribuir responsabilidade ao proprietário do veículo pelos prejuízos decorrentes do golpe sofrido.
Ressalte-se, ainda, a ausência de juntada do suposto anúncio por meio do qual o autor/apelante teria tomado conhecimento do veículo, bem como dos números de telefone utilizados para contato com o indivíduo identificado como Cristiano. Também não foram apresentadas conversas mantidas por aplicativos de mensagens ou outros meios que pudessem comprovar a dinâmica da negociação. A simples reprodução da imagem constante no evento 1, FOTO3 mostra-se insuficiente para suprir tal lacuna probatória.
Por sua vez, o apelado/réu apresentou o anúncio do veículo publicado na plataforma Facebook, com valor de R$ 52.800,00 (evento 45, COMP5, pág. 2), divergente do valor de R$ 40.000,00 anunciado pelo golpista. Também juntou aos autos o comprovante falso de depósito supostamente realizado por Cristiano de Lima Swierzikowski (evento 45, COMP5, pág. 2), além das conversas mantidas com este, evidenciando que foi igualmente vítima da atuação do intermediário fraudulento. O apelado foi induzido a acreditar que Cristiano estaria adquirindo o veículo em nome de um "amigo", ora autor, em razão de uma suposta dívida que teria com este (evento 45, DOC7).
Nesse contexto, provar, sabidamente, é indispensável para o êxito da causa. Se aquele que tem o ônus de demonstrar o fato constitutivo do seu direito não consegue se desincumbir satisfatoriamente de tal encargo, e se a prova atinente aos seus interesses não vem aos autos por qualquer outro meio, não há como proclamar um édito de procedência em seu favor.
Nesse particular, leciona Humberto Theodoro Júnior:
(...) No processo civil, onde quase sempre predomina o princípio dispositivo, que entrega a sorte da causa à diligência ou interesse da parte, assume especial relevância a questão pertinente ao ônus da prova. Esse ônus consiste na conduta processual exigida da parte para que a verdade dos fatos por ela arrolados seja admitida pelo juiz. Não há um dever de provar, nem à parte contrária assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados dos quais depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisdicional" (Curso de Direito Processual Civil - Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. vol. 1, 46. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2007, p. 472).
Nesse entender, o Código de Processo Civil delega ao autor, em seu artigo 373, I, o ônus da prova em relação aos fatos constitutivos de seu direito, ônus do qual, como bem fundamentado pelo excerto colacionado da sentença, não se desincumbiu o apelante.
A análise da dinâmica dos fatos revela com clareza que se tratava de dois negócios distintos ocorrendo simultaneamente. O autor, contudo, não logrou êxito em comprovar elementos essenciais que permitissem atribuir responsabilidade ao proprietário do veículo, o qual, assim como o autor, foi vítima do golpe perpetrado por terceiro alheio à lide, identificado como Cristiano.
Muito embora tenha havido contato direto entre a parte autora e a parte ré para a realização da vistoria do veículo — contato este articulado pelo terceiro fraudador, que teria orientado ambas as partes a se encontrarem para tal finalidade, sem, contudo, que houvesse menção às tratativas negociais intermediadas por Cristiano — não se mostra crível que a parte autora tenha acreditado nas informações prestadas pelo falso intermediário, especialmente quanto ao valor da negociação (R$ 40.000,00), significativamente inferior ao valor de mercado do bem (R$ 50.280,00).
Outrossim, não há demonstração de esforço em manter contato direto com o proprietário real do veículo indicado na foto acostada pelo autor no evento 1, DOC11, para confirmar a titularidade da conta na qual deveria realizar a transferência bancária.
Compete à parte que realiza a transferência de valores verificar, com atenção e cautela, os dados do beneficiário, bem como assegurar-se de que se trata da pessoa legitimida para tanto, diligência que, no presente caso, não foi observada.
Assim, apesar da irresignação manifestada, verifica-se que foi o autor quem deixou de adotar as medidas mínimas de prudência durante as tratativas negociais, ao efetuar o pagamento de quantia expressiva a terceiro desconhecido, vindo a ser vítima do conhecido "golpe do intermediário".
A propósito, deste Tribunal:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. COMPRA E VENDA DE AUTOMÓVEL EM PLATAFORMA VIRTUAL DE NEGÓCIOS. AUTOR QUE NEGOCIOU AQUISIÇÃO DE VEÍCULO COM SUPOSTO INTERMEDIADOR QUE, SIMULTANEAMENTE, LUDIBRIAVA O RÉU, VENDEDOR ORIGINÁRIO DO BEM. ANÚNCIO REALIZADO PELO TERCEIRO FRAUDADOR POR VALOR MUI INFERIOR AO DE MERCADO. DETALHES DA TRANSAÇÃO AJUSTADOS APENAS COM O INTERMEDIÁRIO, SEM TRATATIVAS DIRETAS ENTRE OS LITIGANTES. DEPÓSITO REALIZADO POR TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA EM CONTA INDICADA PELO GOLPISTA, CUJA TITULARIDADE PERTENCIA À PESSOA FÍSICA COMPLETAMENTE ESTRANHA À RELAÇÃO NEGOCIAL. ELEMENTOS SUFICIENTES PARA LEVANTAR SUSPEITA E EXIGIR MAIORES CAUTELAS. ATUAÇÃO DE TERCEIRO FRAUDADOR ASSOCIADA AO DESCUIDO DO AUTOR. TRADIÇÃO NÃO REALIZADA PELO PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO ANTE O NÃO RECEBIMENTO DE QUALQUER QUANTIA. OBRIGAÇÃO DE ENTREGA DO AUTOMOTOR INEXISTENTE. "GOLPE DO FALSO INTERMEDIÁRIO". AUSÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO ENTRE AS PARTES LITIGANTES. PRETENSÕES AUTORAIS DESCABIDAS. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.(TJSC, Apelação n. 5000584-41.2021.8.24.0021, do , rel. Edir Josias Silveira Beck, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 29-2-2024)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO. GOLPE DO FALSO INTERMEDIÁRIO. AÇÃO CONEXA JULGADA CONJUNTAMENTE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DESTA DEMANDA E IMPROCEDÊNCIA DA CONEXA.
RECURSO DO REQUERIDO.
1. CONTRARRAZÕES. ALEGADA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. SUSCITADA GENERALIDADE DO RECLAMO. INSUBSISTÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO QUE IMPUGNOU DEVIDAMENTE A CONCLUSÃO DO JUÍZO DE ORIGEM. CONHECIMENTO DA INSURGÊNCIA QUE SE IMPÕE.
2. MÉRITO. DEFENDIDA VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. TESE AFASTADA. APELANTE QUE NEGOCIOU A COMPRA DE UMA MOTOCICLETA COM ESTELIONATÁRIO, EFETUANDO O PAGAMENTO EM FAVOR DE TERCEIRO INDICADO PELO FRAUDADOR. APELADO QUE TAMBÉM FOI ABORDADO PELO ESTELIONATÁRIO, MANIFESTANDO INTERESSE NA COMPRA DO VEÍCULO. VENDEDOR QUE RECEBEU COMPROVANTES DE PAGAMENTO FALSOS. AUSÊNCIA DE TRADIÇÃO DO BEM EM RAZÃO DA FALTA DE ADIMPLEMENTO. PARTES LITIGANTES QUE FORAM VÍTIMAS DE FRAUDE. IMPERA, CONTUDO, A MAIOR NEGLIGÊNCIA DO COMPRADOR, AO NÃO VERIFICAR DIRETAMENTE COM O PROPRIETÁRIO A IDENTIDADE DO DESTINATÁRIO DO PAGAMENTO. FALTA DE CAUTELA MANIFESTA POR PARTE DO APELANTE. SENTENÇA MANTIDA.
3. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. TESE SUSCITADA EM CONTRARRAZÕES. REJEIÇÃO. MERO EXERCÍCIO DO DIREITO DE RECORRER. AÇÕES DO ART. 80 DO CPC QUE NÃO RESTARAM CARACTERIZADAS. PLEITO RECHAÇADO.
HONORÁRIOS RECURSAIS ARBITRADOS.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJSC, Apelação n. 5000232-62.2021.8.24.0125, do , rel. Osmar Nunes Júnior, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 22-08-2025).
DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. GOLPE DO FALSO INTERMEDIÁRIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DA PARTE AUTORA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
Ação declaratória de nulidade de negócio jurídico c/c pedido de indenização por danos materiais e morais, ajuizada por adquirentes de veículo automotor contra os proprietários do bem, em razão de alegado golpe praticado por terceiro que se passou por intermediário da negociação. Após tratativas presenciais e assinatura do DUT em cartório, os autores realizaram transferência bancária para conta indicada pelo suposto intermediário, não recebendo o veículo. A sentença julgou improcedentes os pedidos. Recurso de apelação interposto pelos autores, pleiteando a reforma da sentença, com reconhecimento da responsabilidade dos réus ou, subsidiariamente, da culpa concorrente.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
A questão em discussão consiste em verificar se os réus, proprietários do veículo, agiram com dolo, má-fé ou negligência na condução do negócio jurídico, legitimando a atuação do terceiro fraudador e induzindo os autores ao erro, e se há responsabilidade civil pelos prejuízos materiais e morais sofridos.
III. RAZÕES DE DECIDIR
O golpe do falso intermediário configura situação em que ambas as partes são vítimas de fraude praticada por terceiro, inexistindo negócio jurídico entre os litigantes. A ausência de cautela dos autores ao realizar transferência bancária para conta de pessoa estranha à negociação, sem confirmação direta com os proprietários do bem, afasta a responsabilidade dos réus. A atuação dos réus não demonstrou má-fé ou dolo, tampouco houve recebimento de valores ou benefício decorrente da transação. A jurisprudência do é firme no sentido de que, em casos semelhantes, não há obrigação de entrega do bem ou restituição de valores por parte dos proprietários.
IV. DISPOSITIVO E TESE
Recurso conhecido e desprovido.
Tese de julgamento: "1. A inexistência de negócio jurídico entre as partes litigantes, em razão de golpe praticado por terceiro, afasta a responsabilidade civil dos proprietários do bem. 2. A negligência do comprador ao realizar pagamento sem confirmação direta com os vendedores impede a restituição dos valores transferidos. 3. A atuação dos réus não configura má-fé, dolo ou culpa concorrente, inexistindo obrigação de indenizar."
[...]
(TJSC, Apelação n. 5016125-55.2024.8.24.0039, do , rel. José Agenor de Aragão, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 05-09-2025).
Diante da inexistência de ato ilícito praticado pelo requerido, não há fundamento legal para se cogitar a restituição, seja integral ou parcial, dos valores transferidos ao terceiro fraudador.
Assim, considerando as peculiaridades do caso concreto e a ausência de elementos que justifiquem a responsabilização do demandado, impõe-se a manutenção da sentença tal como proferida.
Dos ônus sucumbenciais sobre a reconvenção
O autor/apelante também impugnou a condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais pela reconvenção, alegando que todos os pedidos foram julgados improcedentes. Requereu, por isso, a readequação ou, alternativamente, a redução proporcional da verba fixada em R$ 4.000,00.
Quanto aos ônus sucumbenciais decorrentes da reconvenção, o juízo de origem assim se manifestou:
Na reconvenção, reconheço a perda de objeto da pretendida regularização documental do veículo (art. 485, VI c/c art. 493, caput, ambos do CPC) e julgo improcedente o pedido indenizatório, dividindo as partes em parcelas iguais as custas da lide secundária (art. 86, caput, do CPC), enquanto o reconvinte suportará honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) sobre a indenização não reconhecida (art. 85, § 1º do CPC), e o reconvindo, que deu causa ao pleito reconvencional, os bancará no importe de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), aqui por apreciação equitativa (art. 85, § 8º do CPC), vedada a compensação (art. 85, § 14 do CPC).
No caso em análise, o reconvinte/apelado formulou três pedidos na reconvenção: (i) o cancelamento do comunicado de transferência de propriedade do veículo ou a emissão de novo DUT pelo DETRAN/SC; (ii) a condenação do reconvindo ao pagamento de indenização por danos materiais decorrentes da contratação de profissional para sua defesa; e (iii) o reconhecimento da litigância de má-fé, com aplicação de multa a ser arbitrada.
O princípio da causalidade, previsto no art. 85, §10, do Código de Processo Civil, estabelece que os encargos processuais devem ser atribuídos à parte que deu causa à demanda, independentemente do resultado final do processo. Mesmo diante da perda superveniente do objeto, o juiz pode aplicar esse princípio para assegurar uma distribuição justa dos ônus, considerando a conduta que motivou a ação.
Observa-se que, quanto ao primeiro pedido, houve a perda superveniente do interesse de agir, uma vez constatada a ausência de necessidade de tutela jurisdicional útil sobre o ponto, diante da extinção do objeto da pretensão (o veículo e seu registro), nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil, conforme consignado na sentença.
Embora os pedidos iniciais formulados pelo autor/apelante tenham sido julgados improcedentes, e a consequência natural dessa improcedência tenha sido a declaração de nulidade do negócio jurídico celebrado entre as partes e o terceiro fraudador "Cristiano", implicando na invalidade do documento de transferência outorgado pelo réu/reconvinte, não é possível imputar ao autor o ônus sucumbencial da reconvenção, uma vez constatado que ambas as partes foram vítimas de golpe praticado por terceiro, circunstância que motivou o ajuizamento da demanda originária.
No caso em apreço, entende-se que o réu/reconvinte deve suportar os ônus sucumbenciais decorrentes da improcedência dos pedidos formulados na reconvenção, porquanto, mesmo ciente de que ambas as partes foram vítimas de fraude perpetrada por terceiro, optou por apresentar pretensões reconvencionais, assumindo, assim, os riscos inerentes à sua eventual rejeição.
Nesse sentido:
DIREITO CIVIL. TUTELA CAUTELAR EM CARÁTER ANTECEDENTE. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTES OS PEDIDOS AUTORAIS E IMPROCEDENTES OS PEDIDOS RECONVENCIONAIS. RECURSO DA AUTORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM RECONVENÇÃO. AUTONOMIA. PROVIMENTO DO RECURSO.
I. Caso em exame
1. Apelação cível objetivando a reforma de decisum que julgou procedentes os pedidos exarados em tutela cautelar em caráter antecedente e improcedentes os pleitos reconvencionais.
II. Questões em discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se os honorários advocatícios sucumbenciais fixados na sentença devem ser individualizados para a ação principal e para a reconvenção.
III. Razões de decidir
3. In casu, o togado a quo fixou, de forma unitária (principal + reconvenção), os honorários advocatícios sucumbenciais, ao invés de fazê-lo individualmente. Da leitura dos dispositivos legais, é fácil compreender - notadamente da expressão "pretensão própria" - que a reconvenção ostenta autonomia em relação à ação principal, tanto que eventual óbice ao prosseguimento desta, a exemplo da extinção por ausência de pressuposto de validade, não inviabiliza o regular processamento da lide secundária (§ 2º). Nessa vereda, o art. 85, § 1º, do Código de Processo Civil, é peremptório ao prever que "são devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente".
4. O manejo da reconvenção - embora se dê nos mesmos autos da ação primeva, à qual é conexa - instaura, para todos os fins, novo e autônomo litígio, inclusive em relação aos ônus processuais oriundos da derrota do reconvinte - nestes contemplados os honorários de sucumbência. Por conseguinte, não vinga a restrição da verba honorária, em ambos os litígios, ao percentual limítrofe de "10% sobre o valor da condenação", o que leva ao provimento do recurso neste tocante.
5. Na ação principal, a declaração da inexigibilidade dos débitos representados pelas notas fiscais n. 112701 e n. 36747, a multa cominada (20% sobre o valor remanescente do contrato) e os danos morais fixados na sentença correspondem ao proveito econômico obtido pela apelante/autora e, portanto, deve servir de base de cálculo dos honorários. Quanto ao percentual, verifica-se o patamar de 10% se mostra condizente com a complexidade da causa e o tempo de tramitação da demanda desde sua propositura até a sentença, sendo certo que o magistrado observou atentamente o dispositivo legal afeto à fixação de honorários, respeitando, inclusive, o patamar mínimo.
6. Já no que tange à reconvenção, sua improcedência implica a utilização do valor da causa como base cálculo, dada a ausência de condenação e proveito econômico. Assim, a parte requerida/reconvinte deverá arcar com honorários advocatícios, também no percentual de 10% do proveito econômico obtido pela autora/reconvinda, vencedora da ação, pelos motivos já declinados quanto à ação principal (complexidade da causa e tempo de tramitação).
IV. Dispositivo e tese
7. Recurso de apelação conhecido e provido.
(TJSC, Apelação n. 5003875-26.2022.8.24.0082, do , rel. Rosane Portella Wolff, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 21-08-2025 - grifou-se).
Desse modo, o recurso merece provimento, no ponto, para afastar a condenação imposta ao autor quanto ao pagamento dos ônus sucumbenciais decorrentes da reconvenção proposta pelo reconvinte.
Da sucumbência
Em razão do parcial provimento do recurso do autor/apelante, para afastar a condenação imposta quanto ao pagamento dos ônus sucumbenciais decorrentes da reconvenção proposta pelo reconvinte, caberá ao réu/apelado arcar integralmente com as custas processuais da reconvenção e com os honorários advocatícios, que arbitro em R$ 2.000,00, tendo em vista o baixo valor atribuído à reconvenção (R$ 3.500,00), o que faço com fulcro no art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil.
No que se refere à lide principal, deve ser mantida a distribuição dos ônus sucumbenciais tal como fixada na origem, uma vez que inalterado o sentido do julgado.
Dos honorários recursais
Considerando o parcial provimento do recurso do autor, incabível a fixação de honorários recursais, a teor do §11 do art. 85 do CPC.
No caso, segundo a orientação da Corte Especial do Superior TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5024100-39.2021.8.24.0038/SC
RELATORA: Desembargadora Substituta QUITERIA TAMANINI VIEIRA
EMENTA
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (COM RECONVENÇÃO). INSUrGÊNCIA DA PARTE AUTORA. APELAÇÃO CÍVEL. “GOLPE DO INTERMEDIÁRIO” (GOLPE DA OLX). INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO ENTRE AS PARTES. ÔNUS DA PROVA. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO DA PARTE RÉ. RESPONSABILIDADE CIVIL AFASTADA. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. ônus sucumbenciais que devem ser suportados pelo reconvinte. parcial provimento do recurso.
I. CASO EM EXAME: Recurso de apelação interposto contra sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação de obrigação de fazer, proposta em razão de alegado prejuízo decorrente de fraude praticada por terceiro durante negociação de compra e venda de veículo. A parte autora sustentou culpa concorrente da parte ré e requereu indenização ou rateio do prejuízo, além da readequação dos honorários sucumbenciais fixados na reconvenção.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: As questões em discussão consistem em: (i) verificar se houve responsabilidade civil da parte ré pelos prejuízos decorrentes do golpe praticado por terceiro; (ii) analisar se a ausência de cautela da parte autora na realização do pagamento a pessoa estranha à negociação afasta a pretensão indenizatória; e (iii) definir a distribuição dos ônus sucumbenciais relativos à reconvenção.
III. RAZÕES DE DECIDIR: (iv) O denominado golpe do intermediário configura fraude perpetrada por terceiro, inexistindo negócio jurídico entre as partes litigantes. A parte autora não se desincumbiu do ônus da prova quanto aos fatos constitutivos de seu direito (art. 373, I, do CPC), deixando de demonstrar elementos que permitissem atribuir responsabilidade à parte ré, igualmente vítima do golpe. (v) A negligência da parte autora ao efetuar pagamento sem confirmação direta com o proprietário do veículo afasta a possibilidade de restituição ou indenização. (vi) Quanto à reconvenção, aplica-se o princípio da causalidade: a parte reconvinte, ao formular pedidos autônomos, assume os riscos de sua improcedência, devendo suportar os ônus sucumbenciais correspondentes.
IV. DISPOSITIVO: Recurso conhecido e parcialmente provido para afastar a condenação da parte autora ao pagamento dos ônus sucumbenciais decorrentes da reconvenção, mantendo-se, no mais, a sentença de improcedência do pleito formulado na ação principal.
Teses de julgamento:
“1. A inexistência de negócio jurídico entre as partes litigantes, em razão de golpe praticado por terceiro, afasta a responsabilidade civil do proprietário do bem.”
“2. A negligência do comprador ao realizar pagamento sem confirmação direta com o vendedor impede a restituição dos valores transferidos.”
"3. O princípio da causalidade determina que os ônus processuais sejam atribuídos à parte que deu causa à demanda, permitindo ao juiz redistribuí-los conforme a conduta, mesmo diante da perda do objeto."
“4. A improcedência da reconvenção impõe ao reconvinte o ônus sucumbencial, nos termos do princípio da causalidade.”
Dispositivos relevantes citados: Código Civil, art. 309; CPC, arts. 85, §§ 1º, 8º, 10 e 14; art. 373, I; art. 485, VI; art. 493; art. 86.
Jurisprudência relevante citada: TJSC, Apelação n. 5000584-41.2021.8.24.0021; TJSC, Apelação n. 5000232-62.2021.8.24.0125; TJSC, Apelação n. 5016125-55.2024.8.24.0039; TJSC, Apelação n. 5003875-26.2022.8.24.0082; STJ, AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.183.167/MG.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos do decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e, no mérito, dar-lhe parcial provimento para afastar a condenação imposta ao autor quanto ao pagamento dos ônus sucumbenciais decorrentes da reconvenção. Redistribuídos os ônus sucumbenciais da reconvenção, na forma da fundamentação. Inviável a fixação de honorários recursais, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 13 de novembro de 2025.
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Signatário (a): QUITERIA TAMANINI VIEIRA
Data e Hora: 14/11/2025, às 17:11:13
5024100-39.2021.8.24.0038 7001729 .V8
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 12/11/2025 A 19/11/2025
Apelação Nº 5024100-39.2021.8.24.0038/SC
RELATORA: Desembargadora Substituta QUITERIA TAMANINI VIEIRA
PRESIDENTE: Desembargador MARCOS FEY PROBST
Certifico que este processo foi incluído como item 79 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 12/11/2025 às 00:00 e encerrada em 13/11/2025 às 22:20.
Certifico que a 1ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 1ª CÂMARA ESPECIAL DE ENFRENTAMENTO DE ACERVOS DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E, NO MÉRITO, DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO IMPOSTA AO AUTOR QUANTO AO PAGAMENTO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS DECORRENTES DA RECONVENÇÃO. REDISTRIBUÍDOS OS ÔNUS SUCUMBENCIAIS DA RECONVENÇÃO, NA FORMA DA FUNDAMENTAÇÃO. INVIÁVEL A FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Substituta QUITERIA TAMANINI VIEIRA
Votante: Desembargadora Substituta QUITERIA TAMANINI VIEIRA
Votante: Desembargador Substituto MARCO AURELIO GHISI MACHADO
Votante: Desembargador MARCOS FEY PROBST
ALESSANDRA MIOZZO SOARES
Secretária
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Identificações de pessoas físicas foram ocultadas